Por: gustavochacra, em 24 julho 201, no Estadão
Por que, quando falamos de Israel, associamos ao judaísmo, quando
falamos do Irã ou Arábia Saudita, associamos ao islamismo, e quando
falamos do Ocidente, associamos ao cristianismo, mas, quando falamos de
Rússia, Grécia ou Síria, não falamos dos cristãos ortodoxos? E por que
esta insistência em achar que a Cristandade se resuma a católicos,
protestantes e evangélicos?
Quem conhece Jerusalém sabe da importância dos cristãos ortodoxos,
principal grupo cristão da cidade. E o cristianismo ortodoxo tem um
papel ultra relevante na geopolítica internacional. Basta lembrar que a
segunda maior potência militar do mundo é a Rússia, cristã ortodoxa. A
Grécia, no coração da maior crise europeia deste século, também é
cristã ortodoxa. Parte do apoio ao regime de Bashar al Assad vem de
cristãos ortodoxos. Aliás, há milícias cristãs ortodoxas lutando contra o
ISIS, também conhecido como Grupo Estado Islâmico ou Daesh.
Cristãos ortodoxos também sempre estiveram em movimentos de
independência palestinos.
Há até quem diga que, se não houvesse o islamismo, os
cristãos ortodoxos ainda seriam os maiores inimigos do Ocidente. Os
países árabes mediterrâneos possivelmente seriam majoritariamente
cristãos ortodoxos. Os palestinos, idem, e os cristãos ortodoxos seriam
os adversários de Israel. Aliás, a Turquia também seria cristã ortodoxa e
sua capital seria Constantinopla.
Os cristãos ortodoxos se dividem em oito patriarcados – Alexandria,
Antióquia (hoje removido para Damasco), Jerusalém, Moscou, Geórgia,
Sérvia, Romênia e Bulgária. Além destes, temos o Patriarcado Ecumênico
de Constantinopla (Istambul). O Patriarca ecumênico se chama Bartolomeu I
e ele exerce enorme influência no Leste Europeu e em regiões do Oriente
Médio.
Um dos motivos de a Rússia apoiar o regime de Assad, embora longe de
ser o mais importante, é a população cristã ortodoxa síria. Na visão de
Moscou, se o regime de Assad cair, os cristãos ortodoxos sírios tendem a
ser perseguidos e massacrados. O Patriarca da Igreja Ortodoxa Russa
abertamente condena os que apoiam intervenção ocidental para derrubar
Assad na Síria. Ele chegou a se encontrar com o líder sírio já durante a
Guerra Civil e o parabenizou pela reeleição em 2014.
Aliás, curiosamente, muitos cristãos ortodoxos não simpatizam em nada
com posições políticas de evangélicos no Ocidente, como o senador Ted
Cruz, um ultra-conservador pré-candidato a Presidência dos EUA pelo
Partido Republicano, descobriu depois de ser vaiado por criticar Assad e
os palestinos para uma plateia de cristãos ortodoxos de origem
sírio-libanesa. O senador republicano não sabia que os cristãos
ortodoxos costumam ser pró-Assad e pró-palestinos (aliás, muitos são
palestinos).
Quando vemos a Rússia se aproximando do Chipre e da Grécia, não
podemos esquecer que estes países também são cristãos ortodoxos. Mesmo
com o comunismo sendo contra a religião, culturalmente os países do
Leste Europeu ortodoxos, como a Bulgária, possuíam uma relação melhor
com Moscou do que católicos, como a Polônia.
Há algumas semanas, completou-se 20 anos do massacre de Srebrenica,
cometido por sérvios, que são cristãos ortodoxos, e foram apoiados pelos
russos, também cristãos ortodoxos. Curiosamente, tanto na Guerra da
Bósnia quanto na de Kosovo, o Ocidente defendeu os muçulmanos contra os
cristãos ortodoxos.
Os cristãos ortodoxos do Oriente Médio, historicamente, sempre
estiveram na vanguarda dos movimentos arabistas. Também costumam ser
urbanos, de cidades como Beirute, Damasco, Trípoli (a do Líbano),
Jerusalém e Aleppo. No passado, eram ingrediente importante do caldo
cosmopolita do Mediterrâneo, junto com os judeus e os muçulmanos.
No Líbano, os cristãos ortodoxos são minoria entre os cristãos,
embora sejam a maioria dos cristãos de Beirute (Ashrafyeh, o sofisticado
bairro cristão de Beirute, é cristão ortodoxo). A maior parte dos
cristãos libaneses é cristã maronita, uma vertente catolicismo no
Oriente, com ritos distintos dos católicos-romanos e com Patriarca
próprio – por lei, o presidente libanês e o chefe das Forças Armadas
precisam ser cristãos maronitas. Mas muitos dos imigrantes libaneses
para o Brasil possuem origem cristã ortodoxa, incluindo o meu avô
paterno. No Clube Monte Líbano de São Paulo, muitos sócios são cristãos
ortodoxos. Há ainda a grande catedral do Paraíso (bairro da cidade de São Paulo).
Enfim, para entender o mundo, ajuda entender um pouco do
cristianismo ortodoxo. Aliás, antes que me esqueça, diferentemente do
judaísmo, “ortodoxo” para os cristãos não significa ser mais religioso.
E vale, neste caso, contar a história de dois conhecidos meus. Ele
era cristão ortodoxo, do Monte Líbano. Ela, judia ortodoxa, da Hebraica.
Mas, curiosamente, a mãe dele, também cristã ortodoxa, dava aulas de
matemática em um colégio judaico e foi a um Bar Mitzva. O filho foi
buscá-la e, na porta, viu a moça judia bonita. Deu uma paquerada. Ela
perguntou a religião dele, por curiosidade. Orgulhoso, respondeu
“ortodoxo” (na realidade, cristão ortodoxo). Ela, que era judi, achou
meio estranho, pois ele não parecia ortodoxo. Mas a química já os havia
atraído, independentemente das origens. Os dois se apaixonaram e
casaram. Hoje são sócios do Monte Líbano e da Hebraica, mas frequentam o
Paulistano. O filho foi batizado na Catedral Ortodoxa, mas também fez
Bar Mitzva.
Guga Chacra, comentarista de
política internacional do Estadão e do programa Globo News Em Pauta em
Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade
Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no
Oriente Médio e em NY.
em:http://internacional.estadao.com.br/blogs/gustavo-chacra/por-que-o-ocidente-nao-presta-atencao-nos-cristaos-ortodoxos-do-oriente/
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