segunda-feira, 22 de junho de 2015

Raqa - de Praça do Paraíso a rotatória do inferno

Ela era chamada de praça do paraíso, mas desde que os extremistas do Estado Islâmico (EI) chegaram a Raqa, uma cidade modelo, segundo os jihadistas, para as execuções públicas, ela é conhecida como "rotatória do inferno". Nela são exibidas durante dias no alto de lanças de metal as cabeças decapitadas u os corpos crucificados para esmagar qualquer sinal de dissidência nesta cidade do norte da Síria. Desde janeiro de 2014, Raqa se converteu na capital de fato do EI na Síria, onde o grupo extremista sunita conquistou extensas zonas de território para aumentar seu califado.
Nas zonas que governam, os jihadistas conseguiram impor sua lei através do terror e de um sistema parecido com o de um Estado. "Desde o primeiro dia, o EI aplicou uma política de terror, com execuções, decapitações e crucificações", afirma à AFP através da internet um ativista que diz se chamar Abu Ibrahim Al-Raqaui e que trabalha em segredo na cidade.
"Sequestraram ativistas, impuseram o niqab (véu integral) às mulheres, proibiram as calças jeans e inclusive os sapatos coloridos", acrescenta este jovem, um dos fundadores do grupo "Raqa is Being Slaughtered Silently" ("Raqa está sendo massacrada em silêncio").
O grupo se converteu em uma das principais fontes de informação em Raqa, proibida de fato aos jornalistas. Seus integrantes arriscam a vida para documentar as violações dos direitos humanos cometidas pelo EI. O EI já executou mais de 2.600 pessoas na Síria desde o anúncio do califado, em 28 de junho de 2014, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH). Os vídeos divulgados na internet mostram ruas movimentadas e lojas bem abastecidas, mas por trás desta normalidade aparente a polícia jihadista (a Hisba para os homens e a Jansa para as mulheres) vigia para que nada saia do roteiro. "Apago constantemente do meu telefone celular as fotografias das violações do EI porque o inspecionam sistematicamente nos pontos de controle", conta Abu Ibrahim.
"Uma vez vi uma mulher tropeçar na rua. Ao se levantar, seu niqab se abriu levemente e a polícia jihadista foi para cima dela, ameaçando-a com 40 chibatadas".
Segundo ele, um homem que faz a barba deve pagar uma multa equivalente a 100 dólares. Por sua vez, "se você respeita as normas sem questionar, ninguém se mete com você".
Como um Estado
"O sistema de governo em Raqa não é comparável ao de um Estado, mas supera a estrutura de um grupo", explica à AFP Hicham al-Hachimi, especialista em grupos jihadistas. O EI administra Raqa como uma "cidade modelo do califado, como faria um governo central" que assume as ações da polícia, da justiça e dos serviços, como a educação. As lojas de Raqa fecham na hora da oração e os habitantes pagam a zakat, esmola legal e terceiro pilar do islã, segundo Abu Ibrahim. "Médicos, professores e taxistas devem passar por um teste sobre a sharia (lei islâmica) sob pena de não poder exercer a profissão".
Os programas escolares foram substituídos por outros, com a matemática, o inglês e o Corão como únicas disciplinas. O EI é favorável a reduzir a carreira universitária de medicina de seis a três anos. Para que serve a física, as estatísticas quando se estuda medicina?", se pergunta em um vídeo Abu Abdel Rahman al-Shami, diretor do hospital de Raqa.
Discriminação
No califado, os jihadistas estrangeiros, apelidados de "muhajirun" ("os emigrados") desfrutam de um tratamento preferencial em relação à população local, "considerada inferior", segundo Hachimi. Em um vídeo divulgado pelo EI recentemente, um jihadista francês convertido ao islã, que diz se chamar Abu Salman al-Faransi, elogia a vida em Raqa.
"Levamos uma vida tranquila em um Estado bendito", declara este homem de olhos claros e barba, procedente de uma família cristã de uma pequena cidade da França e que chegou a Raqa com sua esposa. O EI "nos deu uma casa e um salário mensal". "O EI obrigou os habitantes de Raqa com residência secundária a dá-la aos estrangeiros", conta Abu Ibrahim, afirmando que "geralmente vivem nos bairros abastados e não pagam impostos. E, ao contrário dos sírios, são atendidos gratuitamente nos hospitais".


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